maio 24, 2008

"A festa e a fome do Corpo de Deus"

Quantos saberão e, se sabem, se terão lembrado de que na passada quinta-feira foi feriado nacional por causa de uma festa, que, em Portugal, dá pelo nome paradoxal de Festa do Corpo de Deus? Houve um tempo em que as ruas se enchiam de procissões por causa dela. Hoje, será apenas, para a quase totalidade dos portugueses, um feriado ou oportunidade para umas miniférias.

Festa do Corpo de Deus! Como foi e é possível o cristianismo menosprezar o corpo, se tem uma festa do Corpo de Deus? Deus mesmo em Cristo assumiu a corporeidade humana. É isso que confessa o Evangelho segundo São João: a Palavra (o Logos) fez-se carne, no sentido bíblico do termo grego sarx: ser humano corpóreo e frágil. Deus manifestou-se na visibilidade de um corpo humano.

Dois banquetes marcaram o Ocidente: o Banquete, de Platão, e a Última Ceia de Jesus com os discípulos (quem se atreve a dizer, com fundamento real, que nela não participaram discípulas?). Ambos à volta do amor. Não é um banquete sempre expressão e vivência da convivialidade, da festa e do amor? Aí está a razão por que não tem sentido celebrar a missa sozinho. Faz sentido celebrar um banquete sozinho ou de costas para o povo e numa língua que ninguém entende, como foi recentemente permitido pelo Papa Bento XVI?

Na véspera da Paixão, antes de ser entregue à morte na cruz, Jesus, na ceia de despedida, tomou o pão e pronunciou a bênção, dizendo: "Isto é o meu corpo - a minha vida - entregue por vós." Tomou o cálice com vinho e disse: "Este é o cálice da nova aliança." E acrescentou: "Fazei isto em memória de mim."

A missa é o banquete do testemunho do amor até à morte: "Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos." O que se celebra na eucaristia é o Deus do amor. Jesus não morreu para pagar um resgate (a quem?, ao diabo?) ou para aplacar a ira de Deus. Se Deus é amor, não está irado com a Humanidade. Face a um deus que exigisse a morte do Filho só haveria uma atitude humanamente digna: tornar-se ateu. Mas Jesus não morreu porque Deus quis o seu sacrifício. Pelo contrário, morreu para testemunhar a verdade incrível de que Deus é amor.

Na eucaristia, os cristãos comemoram, celebram em comum o memorial de Jesus, presente e vivo na dinâmica da celebração. É ele que convida e, segundo a mentalidade oriental, quem convida oferece, antes de mais, a sua presença.

Ao longo dos séculos, houve debates intermináveis, inclusivamente com mortes pelo meio, sobre o modo dessa presença de Cristo na eucaristia. Que se dava uma transubstanciação do pão e do vinho, que havia consubstanciação, que a linguagem mais adequada agora seria transfinalização, transvalorização.

Mas, afinal, que quer dizer "presença real"? Já se pensou que duas pessoas que verdadeiramente se amam, mesmo distantes fisicamente, estão realmente presentes? Pelo contrário, a presença física, sem amor, pode tornar-se um inferno. De qualquer modo, neste domínio, é bom ter presente a advertência do filósofo Hegel para o perigo de coisificar a presença de Cristo na eucaristia, quando escreveu: segundo a representação católica, "a hóstia - essa coisa exterior, sensível, não espiritual - é, mediante a consagração, o Deus presente, Deus como coisa."

Claro que há o aviso de São Paulo aos Coríntios: "Todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor." Mas é preciso advertir que Paulo está a referir-se àqueles que comiam lautamente e deixavam outros à fome. "Desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm?"

E afinal não é o que continua a acontecer? Quando pensamos na vergonha da catástrofe alimentar com milhões de homens e mulheres e jovens e crianças a morrer à fome - também em Portugal há fome -, e nas responsabilidades de milhões de cristãos, que celebram a eucaristia, é inevitável lembrar as palavras de São Paulo aos Coríntios.

Mas quem nunca sonhou com um banquete à volta da mesa comum e a participação de todos, independentemente da raça, língua, sexo, cor, e Deus presente e a vida eterna?

Anselmo Borges, DN de 24 de Maio de 2008

Read more…

maio 08, 2008

Um gesto significativo

Um dia, quando eu era caloiro na escola, vi um miúdo da minha turma a caminhar para casa depois da aula. O nome dele era Kyle.
Parecia que estava a carregar os seus livros todos.
Eu pensei:
- “Porque é que leva para casa todos os livros numa sexta-feira? Ele deve ser mesmo um marrão”.
Como já tinha o meu fim-de-semana planeado (festas e um jogo de futebol com meus amigos no sábado à tarde) encolhi os ombros e segui o meu caminho. Conforme ia caminhando, vi um grupo de miúdos a correr na direcção dele.
Eles atropelaram-no, arrancando-lhe todos os livros dos braços e empurraram-no de tal forma que ele caiu no chão. Os seus óculos voaram, e eu vi-os aterrarem na relva a alguns metros dele. Ele ergueu o rosto e eu vi uma terrível tristeza nos seus olhos.
O meu coração teve pena dele. Então, corri para ele enquanto gatinhava à procura dos óculos, e pude ver lágrimas nos seus olhos.
Enquanto lhe entregava os óculos, disse-lhe:
- “Aqueles tipos são uns parvos. Eles deviam era arranjar uma vida própria”.
Ele olhou para mim e disse-me:
- “Ei, obrigado!”
Havia um grande sorriso na sua face. Era um daqueles sorrisos que realmente mostram gratidão. Eu ajudei-o a apanhar os livros, e perguntei-lhe onde morava.
Por coincidência ele morava perto da minha casa. Então perguntei-lhe como é que nunca o tinha visto antes. Ele respondeu que antes frequentava uma escola particular.
Conversámos todo o caminho de volta para casa, e ajudei-o a levar os livros.
Ele revelou-se um miúdo muito porreiro. Perguntei-lhe se queria jogar futebol no Sábado comigo e com os meus amigos e ele disse-me que sim.
Ficamos juntos todo o fim-de-semana e quanto mais eu conhecia Kyle, mais gostava dele. E os meus amigos pensavam da mesma forma.
Chegou a Segunda-Feira, e lá estava o Kyle com aquela quantidade imensa de livros outra vez. Parei e disse-lhe:
- “Diabos, pá; que vais fazer com os livros de novo?
Ele simplesmente riu e entregou-me metade dos livros.
Nos quatro anos seguintes Kyle e eu tornámo-nos os melhores amigos.
Quando nos estávamos a formar começámos a pensar na faculdade. Kyle decidiu ir para Georgetown e eu ia para a Duke.
Eu sabia que seríamos sempre amigos, que a distância nunca seria um problema. Ele seria médico e eu ia tentar uma bolsa escolar na equipa de futebol.
Kyle era o orador oficial da nossa turma. Ele teve que preparar um discurso de formatura. Eu estava super contente por não ser eu a subir ao palanque e discursar.
No dia da Formatura eu vi Kyle. Ele estava óptimo. Ele estava mais encorpado e realmente tinha uma boa aparência, mesmo usando óculos. Ele saía com mais miúdas do que eu e todas as raparigas o adoravam!
Às vezes ficava com inveja. Hoje era um desses dias. Eu podia ver o quanto ele estava nervoso por causa do discurso. Então dei-lhe uma palmadinha nas costas e disse-lhe:
- “Ei, rapaz, vais-te sair bem!”
Ele olhou-me com aquele olhar (aquele olhar de gratidão) e sorriu.
- “Valeu!” - disse-me.
Quando subiu ao oratório, limpou a garganta e começou o discurso:
- “A Formatura é uma época para agradecermos aqueles que nos ajudaram durante estes anos duros. Aos pais, aos professores, aos irmãos, talvez até a um treinador. Mas principalmente aos amigos. Eu estou aqui para dizer que ser um amigo para alguém é o melhor que se pode dar. Vou contar-lhes uma história.”
Olhei para o meu amigo sem conseguir acreditar enquanto ele contava a história sobre o primeiro dia em que nos conhecemos.
Ele tinha planeado suicidar-se naquele fim-de-semana.
Contou a todos como tinha esvaziado o seu armário na escola, para que a mãe não tivesse que o fazer depois dele morrer e estava a levar todas as suas coisas para casa. Olhou directamente nos meus olhos e deu-me um pequeno sorriso.
- “Felizmente fui salvo. O meu amigo salvou-me de fazer algo inominável”.
Eu observava todos, com um nó na garganta, enquanto aquele rapaz popular e bonito contava a todos aquele seu momento de fraqueza. E vi a sua mãe e o seu pai a olharem para mim e a sorrir com aquela mesma gratidão.
Até aquele momento eu nunca me tinha apercebido da profundidade do sorriso que ele dirigiu naquele dia.

Nunca subestimes o poder das tuas acções. Com um pequeno gesto podes mudar a vida de uma pessoa. Para melhor ou para pior.
Deus coloca-nos a todos nas vidas uns dos outros para que tenhamos um impacto um sobre o outro de alguma forma.
Procura o bem nos outros.

Read more…

maio 07, 2008

Entrar nos... "enta"


Mais um ciclo fechado.
Outro que começa.
Só que este representa uma grande mudança, um passo maior do que os anteriores, um passo gigante na vida.
A maturidade tem muitos aspectos positivos. Vou tentar mostrar a todos os que se cruzam comigo que a entrada nos "enta" é excelente.
Os "enta" representa já uma vida considerável. E significa muitas oportunidades para marcar a nossa vida e a vida dos outros. Significa um saber acumulado, uma experiência que de outra forma não seria possível. Tomamos decisões de forma mais ponderada, reflectida, sustentada...
E a cada momento pensamos: "se não soubesse o que sei, se não tivesse passado pelo que passei, se... seria mais difícil tomar esta decisão". Compreendemos melhor as situações, percebemos melhor as acções e as palavras dos outros.
O projecto de Deus é extraordinário. É uma maravilha arquitectónica. Foi pensado até ao mais ínfimo pormenor. Conforme vamos vivendo, vamos desvendando e percebendo esse plano. E descobrimos como nada foi pensado ao acaso. Cada peça vai encaixando e vai fazendo sentido e dando sentido ao que não compreendíamos.
A idade é uma excelente chave dicotómica da vida!

Read more…

maio 01, 2008

Pensamento do dia

"Não trabalhamos apenas para ganhar dinheiro, mas para encontrar o significado de nossas vidas. O que fazemos é grande parte do que somos".

Alan Ryan

Read more…