outubro 23, 2009

Ateus ou crentes ao contrário?

1. Ao contrário do que possa pensar, ser ateu não é ser drescrente. Ateísmo é uma coisa e descrença é outra.
Descrente é o que não acredita. Sucede que o ateu acredita: acredita que Deus não existe.
Por conseguinte, o ateu também se relaciona com Deus. Trata-se de uma relação pela negativa, é certo, mas não deixa de ser relação. Miguel Torga verbalizou, magistralmente, este paradoxo: "Deus. O pesadelo dos meus dias. Tive sempre a coragem de O negar, mas nunca a força de O esquecer".
2. É claro que o ateu acha que a sua posição é racional, científica. Ele acha que tem provas evidentes de que Deus não existe.
Só que aquilo que é convincente para um ateu não é convincente para um crente. Admitamos que seja difícil provar que Deus existe. Mas alguém achará fácil provar que Deus não existe? O que é provar, afinal? Não será, acima de tudo, experimentar? Acontece que o eco que chega da realidade não é o mesmo para o ateu e para o crente.
Sobre isto António Ramos Rosa apenas capta silêncio. Para o poeta, "Deus aquele que não é ou, se é, é aquele que não é para nós". Por sua vez, José Saramago entende que "A existência do Homem é o que prova a inexistência de Deus".
No entanto, há quem, olhando para a mesma realidade, experimente o contrário.
Já o autor bíblico atesta que "os céus proclamam a obra de Deus e o firmamento anuncia a obra das Sua mãos" (Sal 19, 1). Para ele, tudo é teofânico.
Em síntese, na experiência que faz da realidade, o ateu experimenta a ausência de Deus. Na experiência que faz da mesma realidade, o crente experimenta a presença de Deus.
Parafraseando Napoleão Bonaparte, o crente estaria inclinado a dizer que o ateu olha para o alto, mas não vê o que ele vê.
3. Porquê esta discrepância? Será que o problema do ateu é com Deus ou com aqueles que falam em nome de Deus?
O ateísmo (até pela etimologia se infere isso) não é, em primeira instância, negação de Deus, mas negação do teísmo. Ora, o teísmo não é, necessariamente, o mesmo que Deus. O teísmo é um conjunto de discursos sobre Deus.
E não há dúvida de que - como refere o Vaticano II -, tais discursos (e respectivos comportamentos), não raramente, "escondem, em vez de revelar, o autêntico rosto de Deus".
Se pensarmos bem, os nossos irmãos ateus não e a Deus que negam. Negam-nos a nós. E não será que, tantas vezes, somos nós que, com as nossas atitudes, negamos o próprio Deus?
Sempre me impressionou a confidência do prof. Óscar Lopes, para quem "o homem que mais contribuiu para abalar as suas convicções foi um padre". Isto porque, na sua óptica, "ele próprio não acreditava".
4. Pode haver erros na avaliação dos outros. Mas pode haver, também, equívocos na nossa vivência.
E é precisamente no terreno da vivência que tudo se decide.
Muitas vezes, o ateu, quando diz não acreditar em Deus, o que está a dizer é que não acredita em quem acredita. Não é com Deus que os ateus estão desiludidos ou desencantados. Se olharmos para as atitudes, há ateus que se comportam comocrentes (como se fosse Deus a inspirá-los) e há crentes que se comportam como ateus (como se Deus não contasse).
O certo é que Deus não existe só para crentes. Ele não precisa sequer de ser transportado a ninguém. Ele está em todos. Nos que dizem acreditar. E nos que, não o dizendo, acabam por não estar longe d'Ele!

Padre João António Pinheiro Teixeira,
in Sol, de 23 de Outubro de 2009

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outubro 10, 2009

Dia Mundial da Saúde Mental

Saúde Mental em doses obrigatórias


Na segunda-feira acontece o Dia Internacional da Saúde Mental. Não concordo nada com aquela ideia de que o Natal devia ser todos os dias. Muito pelo contrário, tem a magia que tem, porque só acontece uma vez por ano, e com a idade e o tempo a passar cada vez mais depressa, se calhar até devia passar a bienal. Já o dia da Saúde Mental não fazia mal nenhum que fosse de celebração diária obrigatória. Todos os dias do ano, todos os anos, desde o berço até à morte, a bem do próprio, dos outros, da nação e do planeta.
Aldo Naouri, o pediatra e psicoterapeuta francês, atribuiu a culpa da crise económica aos adultos bebificados, aqueles que nunca cresceram, ou seja, nunca abandonaram a ideia de que são o centro do mundo, e a convicção de que os seres humanos que o povoam são criados ao seu serviço? Pois é, a saúde mental não é assunto de manicómios, nem de hospitais, nem tão-pouco de indústria farmacêutica, mas de educação, de afectos, de economia, de política, ou seja, de pessoas. Olhá-la como uma disciplina especializada de seja o que for é não compreender que sem ela o mundo depressa se transforma num caos. O Dia da Doença Mental é outra coisa.
Também se engana quem julga que Saúde Mental é sinónimo de ausência de sofrimento mental. Esse é condição essencial de sabermos que estamos vivos, e de sabermos que vamos morrer. Sem volta a dar. Não é a tristeza, o medo, a inveja, a raiva, a sensação de confusão que nos põe doentes, mas a incapacidade de reconhecer estes sentimentos, e de lidar com eles. Não é a vida que nos faz perder o norte, mas a falta de sentido para ela. Mas continuamos a preferir uma doença «física» a uma «psicológica», tomar comprimidos a pensar de onde vem aquela ansiedade que não nos larga. Julgamos que por pensar na loucura corremos menos riscos. Enganamo-nos.

Isabel Stilwell
in Destak, 9 de Outubro de 2009

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outubro 03, 2009

António Luís Esteves era 70X7 fantástico



Todos os que tiveram o privilégio de conhecer o Dr. Esteves, revêem-no no texto que se segue. A Igreja ficou mais pobre com a morte do Padre Esteves. Damos graças a Deus pela sua vida.

 0 padre António Luís Esteves faleceu, aos 53 anos, quando tanto podia dar à Igreja de Braga que nele tanto investiu.
Tenho a mesma idade, fomos companheiros de jornada durante tantos anos, no Seminário (mais tarde Instituto Su­perior de Teologia), no Diário do Minho e na vida.
Permitam-me que fale dele como um irmão com quem cresci, estudei, aprendi e que admirava profundamente. Ele tinha parâmetros de vida singulares que se notavam entre os outros colegas pela sua inteligência, capacidade de argumentação e rapidez de assimilação de co­nhecimentos fossem humanísticos, literários, filosóficos, teológicos ou musicais.
Fui parceiro dele na música em que ele to­cava e apreendia as partituras a quatro vozes ou mais com uma velocidade eston­teante, 'tocando bem à primeira” como dizíamos. Quantos en­saios do Schola Can­torum e quantas ce­lebrações animadas pelo seu acompanha­mento musical na igre­ja do Seminário, da Sé ou dos Congrega­dos vivemos de for­ma tão alegre quan­to inesquecível!
Fui companheiro dele na revista Cenáculo, a única revista científica feita por alunos em toda a Península Ibérica, onde ele revelou todo o seu potencial de escrita e saber entra­nhado durante noites sem sono engatadas nos dias.
Concluídos os estudos, o abraço de vidas prosseguiu no jornal Diário do Minho, onde, com a orientação sábia de Domingos Silva Araújo, ao longo de dois anos, contribuiu para que este jornal se libertasse do espartilho das quarto páginas e crescesse em número de páginas e em temas. É inesquecível a aventura que vivemos quando se fez o pri­meiro suplemento a cores para assinalar a visita do Papa João Paulo a Braga nos primeiros anos de 80. Nas horas livres que as notícias nos deixavam, ele deliciava os jovens que frequentavam a Basílica dos Congregados, com os seus ensaios musicais e as suas celebrações.
Com tantas qualida­des intelectuais e hu­manas, os responsáveis da Igreja em Bra­ga decidiram investir ainda mais no padre António Luís Esteves, atendendo à carência de peritos em Sa­grada Escritura. Foi es­tudar para Itália e ou­tras escolas.
Mais tarde torna-se também um amigo do jornal Correio do Minho e da Rádio Antena Mi­nho, enriquecendo es­tes dois meios com as suas crónicas sobre te­mas da actualidade e religião, sem nunca esquecer o 'seu' Diário do Minho.
Nesta hora, se eu pudesse usar a expressão do Novo Testamento, gostava de dizer. O António Luís Esteves foi 70 x 7 fantástico.
Foi tão bom ter-te connosco. Eras daquelas pessoas que nos desafiam todos os dias a ser “diferente” e a deixar a me­diocridade do nivelamento pelo zero.


Costa Guimarães
Jornalista (e ex-director) do Correio do Minho,
in Diário do Minho,
03. Outubro. 2009

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