agosto 25, 2008

"Sinais dos tempos"

"O arminho é um pequeno animal (mede entre 15 e 30 centímetros e pesa pouco mais de 200 gramas) incluído no Anexo III da Convenção de Berna (espécie ameaçada, parcialmente protegida e sujeita a regulamentação especial).

Para seu azar, seu tão grande azar, tem uma pele felpuda e bonita, que fica bem em adornos ricos como o "camauro" (gorro) e a "mozeta" (estola) de veludo com que Bento XVI, recuperando o luxo papal pré-tridentino, agora se exibe, em vistoso conjunto com os seus famosos sapatos "Prada". O Papa está atento aos "sinais dos tempos", como prescreve o Vaticano II. Ora não são, os nossos, tempos de frivolidade e de ostentação? Dentro do mesmo espírito de "aggiornamento", o padre e teólogo António Rungi está a organizar o concurso de beleza "Sister Itália 2008", destinado a eleger a "Miss Freira" italiana. E, no Channel 4, passa o "reality show" "Façam de mim um cristão!", onde os concorrentes têm de converter infiéis ao cristianismo em três semanas. Dois mil anos é muito tempo. Hoje, ninguém de bom gosto, podendo usar um gorro de veludo e arminho, usaria uma coroa de espinhos."

Manuel António Pina, in JN de 25-08-2008

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agosto 19, 2008

Dia Mundial da Fotografia



Um dos meus hobbies!
Com a minha nova máquina fotográfica, fiz esta foto na última primavera no jardim do meu irmão, enquanto ele cortava a relva...

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agosto 16, 2008

2º Aniversário

Este "olhar", deste lado, começou há dois anos.
E durante este segundo ano viveu tempos difíceis. Houve poucas actualizações...
Vamos ver se o tempo disponível chega para um maior contacto com "esse lado".

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maio 24, 2008

"A festa e a fome do Corpo de Deus"

Quantos saberão e, se sabem, se terão lembrado de que na passada quinta-feira foi feriado nacional por causa de uma festa, que, em Portugal, dá pelo nome paradoxal de Festa do Corpo de Deus? Houve um tempo em que as ruas se enchiam de procissões por causa dela. Hoje, será apenas, para a quase totalidade dos portugueses, um feriado ou oportunidade para umas miniférias.

Festa do Corpo de Deus! Como foi e é possível o cristianismo menosprezar o corpo, se tem uma festa do Corpo de Deus? Deus mesmo em Cristo assumiu a corporeidade humana. É isso que confessa o Evangelho segundo São João: a Palavra (o Logos) fez-se carne, no sentido bíblico do termo grego sarx: ser humano corpóreo e frágil. Deus manifestou-se na visibilidade de um corpo humano.

Dois banquetes marcaram o Ocidente: o Banquete, de Platão, e a Última Ceia de Jesus com os discípulos (quem se atreve a dizer, com fundamento real, que nela não participaram discípulas?). Ambos à volta do amor. Não é um banquete sempre expressão e vivência da convivialidade, da festa e do amor? Aí está a razão por que não tem sentido celebrar a missa sozinho. Faz sentido celebrar um banquete sozinho ou de costas para o povo e numa língua que ninguém entende, como foi recentemente permitido pelo Papa Bento XVI?

Na véspera da Paixão, antes de ser entregue à morte na cruz, Jesus, na ceia de despedida, tomou o pão e pronunciou a bênção, dizendo: "Isto é o meu corpo - a minha vida - entregue por vós." Tomou o cálice com vinho e disse: "Este é o cálice da nova aliança." E acrescentou: "Fazei isto em memória de mim."

A missa é o banquete do testemunho do amor até à morte: "Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos." O que se celebra na eucaristia é o Deus do amor. Jesus não morreu para pagar um resgate (a quem?, ao diabo?) ou para aplacar a ira de Deus. Se Deus é amor, não está irado com a Humanidade. Face a um deus que exigisse a morte do Filho só haveria uma atitude humanamente digna: tornar-se ateu. Mas Jesus não morreu porque Deus quis o seu sacrifício. Pelo contrário, morreu para testemunhar a verdade incrível de que Deus é amor.

Na eucaristia, os cristãos comemoram, celebram em comum o memorial de Jesus, presente e vivo na dinâmica da celebração. É ele que convida e, segundo a mentalidade oriental, quem convida oferece, antes de mais, a sua presença.

Ao longo dos séculos, houve debates intermináveis, inclusivamente com mortes pelo meio, sobre o modo dessa presença de Cristo na eucaristia. Que se dava uma transubstanciação do pão e do vinho, que havia consubstanciação, que a linguagem mais adequada agora seria transfinalização, transvalorização.

Mas, afinal, que quer dizer "presença real"? Já se pensou que duas pessoas que verdadeiramente se amam, mesmo distantes fisicamente, estão realmente presentes? Pelo contrário, a presença física, sem amor, pode tornar-se um inferno. De qualquer modo, neste domínio, é bom ter presente a advertência do filósofo Hegel para o perigo de coisificar a presença de Cristo na eucaristia, quando escreveu: segundo a representação católica, "a hóstia - essa coisa exterior, sensível, não espiritual - é, mediante a consagração, o Deus presente, Deus como coisa."

Claro que há o aviso de São Paulo aos Coríntios: "Todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor." Mas é preciso advertir que Paulo está a referir-se àqueles que comiam lautamente e deixavam outros à fome. "Desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm?"

E afinal não é o que continua a acontecer? Quando pensamos na vergonha da catástrofe alimentar com milhões de homens e mulheres e jovens e crianças a morrer à fome - também em Portugal há fome -, e nas responsabilidades de milhões de cristãos, que celebram a eucaristia, é inevitável lembrar as palavras de São Paulo aos Coríntios.

Mas quem nunca sonhou com um banquete à volta da mesa comum e a participação de todos, independentemente da raça, língua, sexo, cor, e Deus presente e a vida eterna?

Anselmo Borges, DN de 24 de Maio de 2008

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maio 08, 2008

Um gesto significativo

Um dia, quando eu era caloiro na escola, vi um miúdo da minha turma a caminhar para casa depois da aula. O nome dele era Kyle.
Parecia que estava a carregar os seus livros todos.
Eu pensei:
- “Porque é que leva para casa todos os livros numa sexta-feira? Ele deve ser mesmo um marrão”.
Como já tinha o meu fim-de-semana planeado (festas e um jogo de futebol com meus amigos no sábado à tarde) encolhi os ombros e segui o meu caminho. Conforme ia caminhando, vi um grupo de miúdos a correr na direcção dele.
Eles atropelaram-no, arrancando-lhe todos os livros dos braços e empurraram-no de tal forma que ele caiu no chão. Os seus óculos voaram, e eu vi-os aterrarem na relva a alguns metros dele. Ele ergueu o rosto e eu vi uma terrível tristeza nos seus olhos.
O meu coração teve pena dele. Então, corri para ele enquanto gatinhava à procura dos óculos, e pude ver lágrimas nos seus olhos.
Enquanto lhe entregava os óculos, disse-lhe:
- “Aqueles tipos são uns parvos. Eles deviam era arranjar uma vida própria”.
Ele olhou para mim e disse-me:
- “Ei, obrigado!”
Havia um grande sorriso na sua face. Era um daqueles sorrisos que realmente mostram gratidão. Eu ajudei-o a apanhar os livros, e perguntei-lhe onde morava.
Por coincidência ele morava perto da minha casa. Então perguntei-lhe como é que nunca o tinha visto antes. Ele respondeu que antes frequentava uma escola particular.
Conversámos todo o caminho de volta para casa, e ajudei-o a levar os livros.
Ele revelou-se um miúdo muito porreiro. Perguntei-lhe se queria jogar futebol no Sábado comigo e com os meus amigos e ele disse-me que sim.
Ficamos juntos todo o fim-de-semana e quanto mais eu conhecia Kyle, mais gostava dele. E os meus amigos pensavam da mesma forma.
Chegou a Segunda-Feira, e lá estava o Kyle com aquela quantidade imensa de livros outra vez. Parei e disse-lhe:
- “Diabos, pá; que vais fazer com os livros de novo?
Ele simplesmente riu e entregou-me metade dos livros.
Nos quatro anos seguintes Kyle e eu tornámo-nos os melhores amigos.
Quando nos estávamos a formar começámos a pensar na faculdade. Kyle decidiu ir para Georgetown e eu ia para a Duke.
Eu sabia que seríamos sempre amigos, que a distância nunca seria um problema. Ele seria médico e eu ia tentar uma bolsa escolar na equipa de futebol.
Kyle era o orador oficial da nossa turma. Ele teve que preparar um discurso de formatura. Eu estava super contente por não ser eu a subir ao palanque e discursar.
No dia da Formatura eu vi Kyle. Ele estava óptimo. Ele estava mais encorpado e realmente tinha uma boa aparência, mesmo usando óculos. Ele saía com mais miúdas do que eu e todas as raparigas o adoravam!
Às vezes ficava com inveja. Hoje era um desses dias. Eu podia ver o quanto ele estava nervoso por causa do discurso. Então dei-lhe uma palmadinha nas costas e disse-lhe:
- “Ei, rapaz, vais-te sair bem!”
Ele olhou-me com aquele olhar (aquele olhar de gratidão) e sorriu.
- “Valeu!” - disse-me.
Quando subiu ao oratório, limpou a garganta e começou o discurso:
- “A Formatura é uma época para agradecermos aqueles que nos ajudaram durante estes anos duros. Aos pais, aos professores, aos irmãos, talvez até a um treinador. Mas principalmente aos amigos. Eu estou aqui para dizer que ser um amigo para alguém é o melhor que se pode dar. Vou contar-lhes uma história.”
Olhei para o meu amigo sem conseguir acreditar enquanto ele contava a história sobre o primeiro dia em que nos conhecemos.
Ele tinha planeado suicidar-se naquele fim-de-semana.
Contou a todos como tinha esvaziado o seu armário na escola, para que a mãe não tivesse que o fazer depois dele morrer e estava a levar todas as suas coisas para casa. Olhou directamente nos meus olhos e deu-me um pequeno sorriso.
- “Felizmente fui salvo. O meu amigo salvou-me de fazer algo inominável”.
Eu observava todos, com um nó na garganta, enquanto aquele rapaz popular e bonito contava a todos aquele seu momento de fraqueza. E vi a sua mãe e o seu pai a olharem para mim e a sorrir com aquela mesma gratidão.
Até aquele momento eu nunca me tinha apercebido da profundidade do sorriso que ele dirigiu naquele dia.

Nunca subestimes o poder das tuas acções. Com um pequeno gesto podes mudar a vida de uma pessoa. Para melhor ou para pior.
Deus coloca-nos a todos nas vidas uns dos outros para que tenhamos um impacto um sobre o outro de alguma forma.
Procura o bem nos outros.

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maio 07, 2008

Entrar nos... "enta"


Mais um ciclo fechado.
Outro que começa.
Só que este representa uma grande mudança, um passo maior do que os anteriores, um passo gigante na vida.
A maturidade tem muitos aspectos positivos. Vou tentar mostrar a todos os que se cruzam comigo que a entrada nos "enta" é excelente.
Os "enta" representa já uma vida considerável. E significa muitas oportunidades para marcar a nossa vida e a vida dos outros. Significa um saber acumulado, uma experiência que de outra forma não seria possível. Tomamos decisões de forma mais ponderada, reflectida, sustentada...
E a cada momento pensamos: "se não soubesse o que sei, se não tivesse passado pelo que passei, se... seria mais difícil tomar esta decisão". Compreendemos melhor as situações, percebemos melhor as acções e as palavras dos outros.
O projecto de Deus é extraordinário. É uma maravilha arquitectónica. Foi pensado até ao mais ínfimo pormenor. Conforme vamos vivendo, vamos desvendando e percebendo esse plano. E descobrimos como nada foi pensado ao acaso. Cada peça vai encaixando e vai fazendo sentido e dando sentido ao que não compreendíamos.
A idade é uma excelente chave dicotómica da vida!

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maio 01, 2008

Pensamento do dia

"Não trabalhamos apenas para ganhar dinheiro, mas para encontrar o significado de nossas vidas. O que fazemos é grande parte do que somos".

Alan Ryan

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abril 28, 2008

Genro e Nora

Duas senhoras encontram-se, depois de terem estado bastante tempo sem se verem.
- Então, os teus filhos como estão? A Rosa, o Francisco?
- A Rosa casou muito bem... Tem um óptimo marido! Olha que ele levanta-se de noite para mudar a fralda ao meu neto, faz o pequeno-almoço, lava a louça, ajuda na lida da casa, e só depois é que vai para o emprego. Ah! Que Deus abençoe este meu genro!...
- Então e o teu filho Francisco?
- Também casou... mas coitadito, teve muito azar! Calcula tu que tem que se levantar de noite para mudar a fralda à minha neta, tem que fazer o pequeno-almoço, lavar a louça, ajudar na lida da casa, e depois de tudo isto, é que sai para ir trabalhar, para sustentar a sostra da minha nora, aquele grande ESTAFERMO!!!

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março 28, 2008

"O falacioso direito de ter filhos"

Tracy nasceu mulher e quis curar-se disso. Tira aqui, acrescenta ali, mais a testosterona que lhe deu barba, mais as leis do estado de Oregon (EUA) que são modernaças, e ei-la, ele: Thomas. Mas não completamente: guardou útero e ovários. Thomas casou com Nancy. Quiseram filhos, naturalmente na modalidade de apoio externo. Azar, Nancy não pôde. Thomas lembrou-se, então, que já foi Tracy. Disse o que nem em todos os casais se pode dizer: "Se não engravidas tu, engravido eu." De novo, Tracy, Thomas está grávido. Tecnicamente está grávida, mas para entrevistas dá mais jeito estar grávido. Estou grato ao grávido pelo pretexto desta crónica, é uma história de liberdade, onde cada um faz de si o que quer. É uma história de liberdade, mas a prazo. Indo a gravidez em cinco meses, tem mais quatro. Finda as contas naturais (é, a Natureza pode ser toureada mas não em tudo), haverá alguém que nada teve a ver com isto mas sofrerá isto. Nasce e cala-te.

Ferreira Fernandes, in DN de 2008.03.28

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março 21, 2008

Pequenas coisas

A espontaneidade de uma fala, o carinho de um abraço, a leveza de um toque, a alegria de um sorriso, o incentivo de um conselho, a emoção de um beijo e o amor de um olhar, elevam-nos a um patamar de felicidade, que resiste e supera todos os obstáculos.

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março 19, 2008

Páscoa muito cedo

Ora aqui está uma curiosidade que desconhecia...
Já me tinha interrogado o motivo pelo qual estas datas estavam sempre a mudar...
Ora aqui está a resposta:

A Páscoa é sempre no primeiro Domingo depois da primeira lua cheia a seguir equinócio de Primavera (20 de Março). Esta datação da Páscoa baseia-se no calendário lunar que o povo hebreu usava para identificar a Páscoa judaica, razão pela qual a Páscoa é uma festa móvel no calendário romano.
Este ano a Páscoa acontece mais cedo do que qualquer um de nós irá ver alguma vez na sua vida! E só os mais velhos da nossa população viram alguma vez uma Páscoa tão temporã (mais velhos do que 95 anos!).
1) A próxima vez que a Páscoa será tão cedo como este ano (23 de
Março) será no ano 2228 (daqui a 220 anos). A última vez que a Páscoa foi assim cedo foi em 1913.
2) Na próxima vez que a Páscoa for um dia mais cedo, 22 de Março, será no ano 2285 (daqui a 277 anos). A última vez que foi em 22 de Março foi em 1818.

Por isso, ninguém que esteja vivo hoje viu ou verá uma Páscoa mais cedo do que a deste ano.

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março 08, 2008

Mulher


Nada mais contraditório do que ser mulher…
Mulher que pensa com o coração,
age pela emoção e vence pelo amor.
Que vive milhões de emoções num só dia
e transmite cada uma delas, num único olhar.
Que cobra de si a perfeição
e vive arrumando desculpas para os erros,
daqueles a quem ama.
Que hospeda no ventre outras almas,
dá a luz e depois fica cega, diante da beleza que gerou.
Que dá as asas, ensina a voar
mas não quer ver partir os pássaros,
mesmo sabendo que eles não lhe pertencem.
Que se enfeita toda e perfuma o leito,
ainda que seu amor nem perceba mais tais detalhes.
Que como uma feiticeira
transforma em luz e sorriso as dores que sente na alma,
só para ninguém notar.
E ainda tem que ser forte, para dar os ombros
para quem neles precise chorar.
Feliz do homem que por um dia souber,
entender a Alma da Mulher!!!

in postcards.com.br

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fevereiro 27, 2008

Caderneta vermelha

O carteiro entregou o telegrama.
José Roberto não agradeceu e enquanto abria o envelope, uma profunda ruga sulcou-lhe a testa.
Uma expressão mais de surpresa do que de dor tomou-lhe conta do rosto.
Palavras breves e incisivas:
- Teu pai faleceu. Enterro 18h. Mãe
José Roberto continuou parado, olhando para o vazio.
Nenhuma lágrima lhe veio aos olhos, nenhum aperto no coração.
Nada!
Era como se tivesse morrido um estranho.
Por que nada sentia pela morte do velho?
Com um turbilhão de pensamentos confundindo-o, avisou a esposa, apanhou o autocarro epartiu, vencendo os silenciosos quilómetros de estrada enquanto a cabeça girava a mil.
No íntimo, não queria ir ao funeral e, se ia era apenas para que a mãe não ficasse mais amargurada.
Ela sabia que pai e filho não se davam bem.
A coisa tinha chegado ao final no dia em que, depois de mais uma chuva
de acusações, José Roberto fez as malas e partiu prometendo nunca mais colocar os pés naquela casa.
Um emprego razoável, casamento, telefonemas à mãe pelo Natal, Ano Novo ou Páscoa...
Ele tinha-se desligado da família, não pensava no pai e a última coisa que desejava na vida era ser parecido com ele.
O velório: poucas pessoas.
A mãe está lá, pálida, gelada, chorosa.
Quando reviu o filho, as lágrimas correram silenciosas, foi um abraço de desesperado silêncio.
Depois, ele viu o corpo sereno envolto num lençol de rosas vermelho, como as que o pai gostava de cultivar.
José Roberto não verteu uma única lágrima, o coração não pedia.
Era como estar diante de um desconhecido, um estranho, um...
O funeral: o pássaro cantando, o sol pondo-se.
Ele ficou em casa com a mãe até à noite, beijou-a e prometeu-lhe que voltaria com os netos e a esposa para se conhecerem.
Agora, ele poderia voltar à casa, porque aquele que não o amava, já não estava lá para lhe dar conselhos ácidos nem para o criticar.
No momento da despedida a mãe colocou-lhe algo pequeno e rectangular na mão.
“Há mais tempo que poderias ter recebido isto” - disse. “Mas, infelizmente só o encontrei, depois dele partir, entre as recordações mais importantes...”
Foi com um gesto mecânico que, minutos depois de começar a viagem, meteu a mão no bolso e sentiu o presente.
O foco mortiço da luz do bagageiro revelou uma pequena caderneta de capa vermelha.
Abriu-a curioso.
Páginas amareladas.
Na primeira, no alto, reconheceu a caligrafia firme do pai:
"Nasceu hoje o José Roberto.
Quase quatro quilos! O meu primeiro filho, um rapagão!
Estou orgulhoso por ser o pai daquele que será a minha continuação na Terra!".
À medida que folheava, devorando cada anotação, sentia um aperto na boca do estômago, mistura de dor e perplexidade, pois as imagens do passado ressurgiram firmes e atrevidas como se acabassem de acontecer!
"Hoje, meu filho foi para escola.
Está um homenzinho! Quando o vi de uniforme, fiquei emocionado e desejei-lhe um futuro cheio de sabedoria.
A vida dele será diferente da minha, porque não pude estudar por ter sido obrigado a ajudar meu pai.
Mas para o meu filho desejo o melhor.
Não permitirei que a vida o castigue".
Outra página
"Roberto pediu-me uma bicicleta, o meu salário não dá, mas ele merece porque é estudioso e esforçado.
Fiz um empréstimo que espero pagar com horas extraordinárias".
José Roberto mordeu os lábios.
Lembrava-se da sua intolerância, das brigas feitas para ganhar a sonhada bicicleta.
Se todos os amigos ricos tinham uma, porque é que ele também não poderia ter a sua?
"É duro para um pai castigar um filho e bem sei que ele poderá odiar-me por isso;
entretanto, devo educá-lo para seu próprio bem."
"Foi assim que aprendi a ser um homem honrado e é o único modo que sei de ensiná-lo".
José Roberto fechou os olhos e viu toda a cena quando por causa de uma bebedeira, tinha ido para a cadeia e naquela noite, se o pai não tivesse aparecido para impedi-lo de ir ao baile com os amigos...
Lembrava-se apenas do automóvel retorcido e manchado de sangue que tinha batido contra uma árvore...
Parecia ouvir sinos, o choro da cidade inteira enquanto quatro caixões seguiam lugubremente para o cemitério.
As páginas sucediam-se com ora curtas, ora longas anotações, cheias das respostas que revelam o quanto, em silêncio e amargura, o pai o tinha amado.
O "velho" escrevia de madrugada.
Momento de solidão, num grito de silêncio, porque era assim que ele era, ninguém o tinha ensinado a chorar e a dividir as dores, o mundo esperava que fosse forte
para que o não julgassem nem fraco e nem covarde.
E agora, no entanto, José Roberto tinha a prova que, debaixo daquela fachada de fortaleza havia um coração tão terno e cheio de amor.
A última página.
A do dia em que ele tinha partido: - "Meu Deus, o que fiz de errado para o meu filho odiar-me tanto?
Porque sou considerado culpado, se nada fiz, senão tentar transformá-lo num homem de bem?"
"Meu Deus, não permitas que esta injustiça me atormente para sempre.
Que um dia ele possa compreender-me e perdoar-me por não ter sabido ser
o pai que ele merecia ter."
Não havia mais anotações e as folhas em branco davam a ideia de que o pai tinha morrido naquele momento.
José Roberto fechou depressa a caderneta; o peito doía.
O coração parecia ter crescido tanto, que lutava para escapar pela boca.
Nem viu o autocarro entrar na central, levantou-se aflito e saiu quase correndo porque precisava de ar puro para respirar.
A aurora rompia no céu e mais um dia começava. "Honra teu pai para que os dias da sua velhice sejam tranquilos!" - tinha ouvido esta frase um dia e nunca tinha reflectido na profundidade que ela continha.
Na sua egocêntrica cegueira de adolescente, nunca tinha parado para pensar em verdades mais profundas.
Para ele, os pais eram descartáveis e sem valor, como as embalagens que são atiradas ao lixo.
Afinal, naqueles dias de pouca reflexão tudo era juventude, saúde, beleza, música, cor, alegria, despreocupação, vaidade.
Não era ele um semideus?
Agora, porém, o tempo tinha-o envelhecido, fatigado e também tornado pai aquele falso herói.
De repente.
No jogo da vida, ele era o pai e seus actuais contestadores.
Como não tinha pensado nisso?
Certamente por não ter tempo, pois andava muito ocupado com os negócios, a luta pela sobrevivência, a sede de passar fins-de-semana longe da grande cidade, a vontade de mergulhar no silêncio sem precisar dialogar com os filhos.
Ele nunca tivera a ideia de comprar uma cadernetinha de capa vermelha para anotar uma frase dos seus herdeiros, nunca lhe tinha passado pela cabeça escrever que tinha orgulho naqueles que continuariam o seu nome.
E logo ele, que se considerava o mais completo pai da Terra?
Uma onda de vergonha quase o prostrou por terra numa derradeira lição de humildade.
Quis gritar, levantar-se procurando agarrar o velho para sacudi-lo e abraçá-lo; encontrou apenas o vazio.
Havia uma raquítica rosa vermelha num galho no jardim de uma casa, o sol acabava de nascer.
Então, José Roberto acariciou as pétalas e lembrou-se da enorme mão do pai podando, adubando e cuidando com amor.
Porque será que nunca tinha percebido tudo aquilo antes?
Uma lágrima brotou como o orvalho, e erguendo os olhos para o céu dourado, de repente, sorriu e desabafou-se numa confissão aliviadora:
"Se Deus me mandasse escolher, eu juro que não queria ter tido outro pai que não fosses tu, meu velho!
Obrigado por tanto amor, e perdoa-me por ter sido tão cego."

NB - recebido por e-mail. Obrigado, Jorge!

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