1. Ao contrário do que possa pensar, ser ateu não é ser drescrente. Ateísmo é uma coisa e descrença é outra.
Descrente é o que não acredita. Sucede que o ateu acredita: acredita que Deus não existe.
Por conseguinte, o ateu também se relaciona com Deus. Trata-se de uma relação pela negativa, é certo, mas não deixa de ser relação. Miguel Torga verbalizou, magistralmente, este paradoxo: "Deus. O pesadelo dos meus dias. Tive sempre a coragem de O negar, mas nunca a força de O esquecer".
2. É claro que o ateu acha que a sua posição é racional, científica. Ele acha que tem provas evidentes de que Deus não existe.
Só que aquilo que é convincente para um ateu não é convincente para um crente. Admitamos que seja difícil provar que Deus existe. Mas alguém achará fácil provar que Deus não existe? O que é provar, afinal? Não será, acima de tudo, experimentar? Acontece que o eco que chega da realidade não é o mesmo para o ateu e para o crente.
Sobre isto António Ramos Rosa apenas capta silêncio. Para o poeta, "Deus aquele que não é ou, se é, é aquele que não é para nós". Por sua vez, José Saramago entende que "A existência do Homem é o que prova a inexistência de Deus".
No entanto, há quem, olhando para a mesma realidade, experimente o contrário.
Já o autor bíblico atesta que "os céus proclamam a obra de Deus e o firmamento anuncia a obra das Sua mãos" (Sal 19, 1). Para ele, tudo é teofânico.
Em síntese, na experiência que faz da realidade, o ateu experimenta a ausência de Deus. Na experiência que faz da mesma realidade, o crente experimenta a presença de Deus.
Parafraseando Napoleão Bonaparte, o crente estaria inclinado a dizer que o ateu olha para o alto, mas não vê o que ele vê.
3. Porquê esta discrepância? Será que o problema do ateu é com Deus ou com aqueles que falam em nome de Deus?
O ateísmo (até pela etimologia se infere isso) não é, em primeira instância, negação de Deus, mas negação do teísmo. Ora, o teísmo não é, necessariamente, o mesmo que Deus. O teísmo é um conjunto de discursos sobre Deus.
E não há dúvida de que - como refere o Vaticano II -, tais discursos (e respectivos comportamentos), não raramente, "escondem, em vez de revelar, o autêntico rosto de Deus".
Se pensarmos bem, os nossos irmãos ateus não e a Deus que negam. Negam-nos a nós. E não será que, tantas vezes, somos nós que, com as nossas atitudes, negamos o próprio Deus?
Sempre me impressionou a confidência do prof. Óscar Lopes, para quem "o homem que mais contribuiu para abalar as suas convicções foi um padre". Isto porque, na sua óptica, "ele próprio não acreditava".
4. Pode haver erros na avaliação dos outros. Mas pode haver, também, equívocos na nossa vivência.
E é precisamente no terreno da vivência que tudo se decide.
Muitas vezes, o ateu, quando diz não acreditar em Deus, o que está a dizer é que não acredita em quem acredita. Não é com Deus que os ateus estão desiludidos ou desencantados. Se olharmos para as atitudes, há ateus que se comportam comocrentes (como se fosse Deus a inspirá-los) e há crentes que se comportam como ateus (como se Deus não contasse).
O certo é que Deus não existe só para crentes. Ele não precisa sequer de ser transportado a ninguém. Ele está em todos. Nos que dizem acreditar. E nos que, não o dizendo, acabam por não estar longe d'Ele!
Padre João António Pinheiro Teixeira,
in Sol, de 23 de Outubro de 2009