Muitas pessoas sentem-se prisioneiras das suas rotinas. Outras há que sentem urgência em encontrar um lugar estável e cessar com as experiências. Inexplicavelmente, ninguém parece satisfeito com a sua situação. Uma espécie de mistério envolve a nossa humana tendência para a insatisfação. Contudo, a vida tem o inusitado poder de nos surpreender.
Em cada instante que vivo, em cada passo que dou, manifesto a presença de uma certeza mais forte que eu mesmo. Existo! Estou aqui e agora! Um turbilhão de sentimentos e pensamentos ocupam espaço em mim e me distinguem. Digamos que eu não posso não ser, porque sei que sou. É desta grande confirmação que nasce a vontade de ser mais, de uma vida que me preencha e sacie definitivamente. No fundo, andamos todos à procura de satisfazer o mesmo desejo, embora seguindo por caminhos diversos.
Porque será então que tantas vezes nos deixamos tomar pelo desânimo e desalento? Como é que a felicidade se pode transformar numa miragem?
É típico do ser humano achar que qualquer dificuldade ou sofrimento são desastres no seu percurso, empecilhos para a autêntica concretização dos seus sonhos. Todos os dias surgem novos contratempos, gestos inesperados, palavras cravadas nas nossas entranhas e que não param de balbuciar aos nossos ouvidos. Tudo fica fora do sítio e os planos, tão cuidadosamente traçados, inexplicavelmente rasgados. Lá se foram as seguranças e a solidez imperturbável do chão onde assentamos os nossos pés. Todavia, está sempre a ser assim! Ainda não surgiu um dia que não fosse tão desafiante e misteriosamente diferente do que tinha imaginado. Para nossa surpresa, é precisamente nesses dias que encontramos aquilo que andamos à procura. Apesar de vivermos numa sociedade que quer a todo o custo eliminar a dor, chegamos à brilhante conclusão de que é nos momentos de dificuldade que conseguimos superar-nos a nós mesmos e percebemos exactamente quem nós somos.
Fechando os olhos por instantes apercebo-me da quantidade de marcas e cicatrizes que se vão acumulando cá por dentro. Hoje, no meio de tantas tensões e preocupações, daquelas que momentaneamente nos retiram os pés do chão e se tornam o centro de gravitação da nossa vida, pareceu-me atingir a minha mais profunda identidade. Percebi como, na minha fragilidade, fui aprendendo a valorizar a grandeza de um “Obrigado!” ou o poder curativo de um “Perdoa-me!”. Ao encontrar a minha pequenez e insignificância, ao confrontar-me com ela no sofrimento, pude descentrar-me da minha própria ganância em encontrar o estado de bem-estar pretendido. Somos assim, frágeis e fortes, pequenos e grandes, rodeados de paradoxos, os mesmos que nos dão vida. São Paulo dizia que quando somos fracos, então é que somos fortes (2Cor 12, 10) e tinha razão. Não podemos procurar a felicidade fazendo de nós aquilo que não somos, pensando que o sofrimento não faz parte da vida, ou tentando isolar este desejo da nossa relação com os outros.
A vida é bela e tão mais bela será quanto formos capazes de aproveitar tudo o que nos dá, mesmo o que custa e nos faz sentir limitados. Tal como Rilke dizia “Se o teu quotidiano te parecer pobre não te deves queixar dele, mas de ti mesmo, fraco de mais para dele extrair toda a riqueza”.
Rui Ferreira
01.05.2010
0 comentários:
Enviar um comentário